No cárcere, sentenciado pelo Papa a ser queimado vivo,
João Huss disse: "Podem matar o ganso (na sua língua, 'huss' é
ganso), mas daqui a cem anos, Deus suscitará um cisne que não
poderão queimar".
Enquanto caía a neve, e o vento frio uivava como fera em
redor da casa, nasceu esse "cisne", em Eisleben, Alemanha. No
dia seguinte, o recém-nascido era batizado na Igreja de São
Pedro e São Paulo. Sendo o dia de São Martinho, recebeu o nome
de Martinho Lutero.
Cento e dois anos depois de João Huss expirar na fogueira,
o "cisne" afixou, na porta da Igreja em Wittenberg, as suas
noventa e cinco teses contra as indulgências, ato que gerou a
Grande Reforma. João Huss enganara-se em apenas dois anos,
na sua predição.
Para dar o valor devido à obra de Martinho Lutero, é
necessário notar algo das trevas e confusão dos tempos em que
nasceu.
Calcula-se que, pelo menos, um milhão de albigenses
foram mortos na França, a fim de cumprir a ordem do Papa, para
que esses "hereges" fossem cruelmente exterminados. Wyclif, "a
Estrela da Alva da Reforma", traduzira a Bíblia para a língua
inglesa. João Huss, discípulo de Wyclif, morrera na fogueira, na
Boêmia, suplicando ao Senhor que perdoasse aos seus
perseguidores. Jerônimo de Praga, companheiro de Huss e
também erudito, sofrera o mesmo suplício, cantando hinos, nas
chamas, até o último suspiro. João Wessália, notável pregador de
Erfurt, fora preso por ensinar que a salvação é pela graça; seu
frágil corpo fora metido entre ferros, onde morreu quatro anos
antes do nascimento de Lutero. Na Itália, quinze anos depois de
Lutero nascer, Savonarola, homem dedicado a Deus e fiel
pregador da Palavra, foi enforcado e seu corpo reduzido a cinzas,
por ordem da Igreja Romana.
Em tempos assim, nasceu Martinho Lutero. Como muitos
dos mais célebres entre os homens, era de família pobre. Dizia
ele: "Sou filho de camponeses; meu pai, meu avô e meu bisavô
eram verdadeiros camponeses". A isso acrescentava: "Há tanta
razão para vangloriarmo-nos de nossa ascendência, quanto há
para o Diabo se orgulhar da sua linhagem angélica".
Os pais de Martinho, para vestir, alimentar e educar seus
sete filhos, esforçavam-se incansavelmente. O pai trabalhava
nas minas de cobre; a mãe, além do serviço doméstico, trazia
lenha às costas, da floresta.
Os pais, não somente se interessavam pelo desenvolvimento
físico e intelectual dos filhos, mas também do espiritual. O
pai, quando Martinho chegou à idade de compreender, ensinou-o
a ajoelhar-se ao lado da sua cama, à noite, e rogava a Deus que
fizesse o menino lembrar-se do nome de seu Criador (Eclesiastes
12.1)..
A sua mãe era sincera e devota; ensinou seus filhos a
considerarem todos os monges como homens santos, e a
sentirem todas as transgressões dos regulamentos da igreja
como transgressões das leis de Deus. Martinho aprendeu os Dez
Mandamentos, o "Pai Nosso", a respeitar a Santa Sé na distante
e sagrada Roma, e a olhar, tremendo, para qualquer osso ou
fragmento de roupa que tivesse pertencido a algum santo. A
base da sua religião formava-se mais em que Deus é um juiz
vingativo, do que um amigo de crianças (Mateus 19.13-15).
Quando já era adulto, Lutero escreveu: "Estremecia e tornavame
pálido ao ouvir alguém mencionar o nome de Cristo, porque
fui ensinado a considerá-lo como um juiz encolerizado. Fomos
ensinados que devíamos, nós mesmos, fazer propiciação por
nossos pecados; que não podemos fazer compensação suficiente
por nossa culpa, que é necessário recorrer aos santos nos céus,
e clamar a Maria para desviar de nós a ira de Cristo."
O pai de Martinho, satisfeitíssimo pelos trabalhos escolares
do filho, na vila onde morava, mandou-o, aos treze anos,
para a escola franciscana na cidade de Magdeburgo.
O moço apresentava-se freqüentemente no confessionário,
onde o padre lhe impunha penitências e o obrigava a
praticar boas obras, para obter a absolvição. Esforçava-se
incessantemente para adquirir o favor de Deus, pela piedade,
desejo esse que o levou mais tarde à vida de convento.
Para conseguir a sua subsistência em Magdeburgo,
Martinho era obrigado a esmolar pelas ruas, cantando canções
de porta em porta. Seus pais, achando que em Eisenach passaria
melhor, mandaram-no para estudar nessa cidade, onde
moravam parentes de sua mãe. Porém esses parentes não o
auxiliaram, e o moço continuou a mendigar o pão.
Quando estava a ponto de abandonar os estudos, j)ara
trabalhar com as mãos, certa senhora de recursos, D. Ursula
Cota, atraída por suas orações na igreja e comovida pela
humilde maneira de receber quaisquer restos de comida, na
porta, acolheu-o entre a família. Pela primeira vez Lutero sentira
fartura. Mais tarde, ele referia-se à cidade de Eisenach como a
"cidade bem amada". Quando Lutero se tornou famoso, um dos
filhos da família Cota cursava em Wittenberg, onde Lutero o
recebeu na sua casa.
Domiciliado na casa da sua extremosa mãe adotiva, D.
Ursula, Martinho desenvolveu-se rapidamente, recebendo uma
sólida educação. Seu mestre, João Trebunius, era homem culto e
de métodos esmerados. Não maltratava os alunos como os
demais mestres. Conta-se que, ao encontrar os moços da sua
escola, cumprimentava-os tirando o chapéu, porque "ninguém
sabia quais seriam dentre eles os doutores, regentes,
chanceleres e reis..." O ambiente da escola e no lar era-lhe
favorável para produzir um caráter forte e inquebrantável, tão
necessário para enfrentar os mais temíveis inimigos de Deus.
Martinho Lutero era mais sóbrio e devoto que os demais
rapazes da sua idade. Acerca deste fato, D. Ursula, na hora da
morte, disse que Deus tinha abençoado o seu lar grandemente
desde o dia em que Lutero entrara em sua casa.
Logo depois, os pais de Martinho alcançaram certa
abastança. O pai alugou um forno para fundição de cobre e
depois passou a possuir mais dois. Foi eleito vereador na sua
cidade e começou a fazer planos para educar seus filhos. Mas
Martinho nunca se envergonhou dos dias da sua provação e
miséria; antes reconhecia que fora a mão de Deus dirigindo-o e
qualificando-o para a sua grande obra.
- Como poderia alguém, depois de homem feito, encarar
fiel e destacadamente as vicissitudes da vida, se não aprendesse
por experiência enquanto era jovem?
Aos dezoito anos, Martinho ansiava estudar numa universidade.
Seu pai, reconhecendo a idoneidade do filho, enviou-o
a Erfurt, o centro intelectual do país, onde cursavam mais de mil
estudantes. O moço estudou com tanto afinco que, no fim do
terceiro semestre, obteve o grau de bacharel em filosofia. Com a
idade de vinte e um anos, alcançou o segundo grau acadêmico e
o de doutor em filosofia. Os estudantes, professores e
autoridades prestaram-lhe significativa homenagem.
Havia dentro dos muros de Erfurt, cem prédios que
pertenciam à igreja, inclusive oito conventos. Havia, também
uma importante biblioteca, que pertencia à universidade, e aí
Lutero passava todo o tempo de que podia dispor. Sempre
suplicava fervorosamente a Deus que o abençoasse nos estudos.
Dizia ele: "Orar bem é a melhor parte dos estudos." Acerca dele
escreveu certo colega: "Cada manhã ele precede seus estudos
com uma visita à igreja e uma prece a Deus".Seu pai, desejoso
de que seu filho se formasse em direito e se tornasse célebre,
comprou-lhe a caríssima obra: "Corpus Juris".
Mas a alma de Lutero suspirava por Deus, acima de todas
as coisas. Vários acontecimentos influenciaram-no a entrar para
a vida monástica, passo que entristeceu profundamente seu pai
e horrorizou seus companheiros de universidade.
Primeiro, achou na biblioteca o maravilhoso Livro dos
livros, a Bíblia completa, em latim. Até aquela ocasião, supunha
que as pequenas porções escolhidas pela igreja para serem lidas
aos domingos, constituíssem o todo da Palavra de Deus. Depois
de uma longa leitura, exclamou: "Oh! se a Providência me desse
um livro como este, só para mim!" Continuando a ler as
Escrituras, o seu coração começou a perceber a luz, e a sua alma
a sentir ainda mais sede de Deus.
A essa altura, quando se bacharelou, os estudos custaramlhe
uma doença que o levou às portas da morte. Assim, a fome
pela Palavra de Deus ficou ainda mais enraizada no coração de
Lutero. Algum tempo depois da sua doença, em viagem para
visitar a família, sofreu um golpe de espada, e duas vezes quase
morreu antes de um cirurgião conseguir pensar-lhe a ferida. Para
Lutero, a salvação da sua alma ultrapassava qualquer outro
anelo.
Certo dia, um de seus íntimos amigos na Universidade foi
assassinado. "Ah!" exclamou Lutero, horrorizado, "o que seria de
mim se eu tivesse sido chamado desta para a outra vida tão
inopinadamente!"
Mas, de todos esses acontecimentos, o que mais o abalou
em espírito, foi o que experimentou durante uma terrível
tempestade, quando voltava de visitar seus pais. Não havia
abrigo próximo. Os céus estavam em brasa, os raios rasgavam
as nuvens a cada instante. De repente um raio caiu ao seu lado.
Lutero, tomado de grande susto, e sentindo-se perto do Inferno,
prostrou-se gritando: "Sant'Ana, salva-me e tornar-me-ei
monge!"
Lutero chamava a esse incidente "A minha estrada, caminho
de Damasco" e não tardou em cumprir a sua promessa
feita a Sant'Ana. Convidou então os seus colegas para cearem
com ele. Depois da refeição, enquanto eles se divertiam com
palestras e música, repentinamente anunciou-lhes que dali em
diante poderiam considerá-lo como morto, pois ia entrar para o
convento. Debalde os seus companheiros procuraram dissuadi-lo
do seu plano. Na escuridão da mesma noite, o moço, antes de
completar vinte e dois anos, dirigiu-se ao convento dos
agostinianos e bateu. A porta abriu-se e Lutero entrou. O
professor admirado e festejado, a glória da universidade, aquele
que passara os dias e as noites curvado sobre os livros, tornarase
irmão agostiniano!
O mosteiro dos agostinianos era o melhor dos claustros de
Erfurt. Seus monges eram os pregadores da cidade, estimados
por suas obras entre os pobres e oprimidos. Nunca houve um
monge naquele convento mais submisso, mais devoto, mais
piedoso, do que Martinho Lutero. Submetia-se aos serviços mais
humildes, como o de porteiro, coveiro, varredor da igreja e das
celas dos monges. Não recusava mendigar o pão cotidiano para
o convento, nas ruas de Erfurt.
Durante o ano de noviciado, antes de Lutero ser feito
monge, os seus amigos fizeram tudo para dissuadi-lo de
confirmar esse passo. Os companheiros, que convidara para
cearem com ele, quando anunciou a sua intenção de ser monge,
ficaram no portão do convento dois dias, esperando que ele
voltasse. Seu pai, vendo que seus rogos eram inúteis e que
todos os seus anelantes planos acerca do filho iam fracassar,
quase enlouqueceu.
Assim se justificou Lutero: "Fiz a promessa a Sant'Ana,
para salvar a minha alma. Entrei para o convento e aceitei esse
estado espiritual somente para servir a Deus e ser-lhe agradável
durante a eternidade."
Quão grande, porém, era a sua ilusão. Depois de procurar
crucificar a carne pelos jejuns prolongados, pelas privações mais
severas, e com vigílias sem conta, achou que, embora
encarcerado na sua cela, tinha ainda de lutar contra os maus
pensamentos. A sua alma clamava: "Dá-me santidade ou morro
por toda a eternidade; leva-me ao rio de água pura e não a estes
mananciais de águas poluídas; traze-me as águas da vida que
saem do trono de Deus!"Certo dia Lutero achou, na biblioteca do
convento, uma velha Bíblia latina, presa à mesa por uma cadeia.
Achara, enfim, um tesouro infinitamente maior que todos os
tesouros literários do convento. Ficou tão embevecido que,
durante semanas inteiras, deixou de repetir as orações diurnas
da ordem. Então, despertado pelas vozes da sua consciência,
arrependeu-se da sua negligência: era tanto o remorso, que não
podia dormir. Apressou-se a reparar o seu erro: fê-lo com tanto
anseio que não se lembrava de alimentar-se.
Então, enfraquecidíssimo por tantos jejuns e vigílias,
sentiu-se oprimido pelas apreensões até perder os sentidos e
cair por terra. Aí os outros monges o acharam, admirados
novamente de sua excepcional piedade! Lutero somente voltou a
si depois de um grupo de coristas o haver rodeado, cantando. A
suave harmonia penetrou-lhe o coração e despertou o seu
espírito. Porém ainda assim lhe faltava a paz perpétua para a
alma; ainda não havia ouvido cantar o coro celestial: "Glória a
Deus nas maiores alturas, paz na terra, boa vontade para com os
homens!"
Nessa altura, o vigário geral da ordem agostiniana,
Staupitz, visitou o convento. Era homem de grande discernimento,
e devoção enraizada; compreendeu logo o problema do
jovem monge; ofereceu-lhe uma Bíblia na qual Lutero leu que "o
justo viverá da fé". Por quanto tempo tinha ele anelado: "Oh! se
Deus me desse um livro destes só para mim!" - e agora o
possuía!
Na leitura da Bíblia achou grande consolação, mas a obra
não podia completar-se em um dia. Ficou mais determinado do
que nunca a alcançar paz para a sua alma, na vida monástica,
jejuando e passando noites a fio sem dormir. Gravemente
enfermo, exclamou: "Os meus pecados! Os meus pecados!"
Apesar da sua vida ter sido livre de manchas, como ele afirmava
e outros testificavam, sentia sua culpa perante Deus, até que um
velho monge lhe lembrou uma palavra do Credo: "Creio na
remissão dos pecados". Viu então que Deus não somente
perdoara os pecados de Daniel e de Simão Pedro, mas também
os seus.
Pouco tempo depois destes acontecimentos, Lutero foi
ordenado padre. A primeira missa que celebrou foi um grande
evento. O pai, irreconciliável, desde o dia em que o filho
abandonara os estudos de advocacia até aquela ocasião, assistiu
à primeira missa, vindo a cavalo de Mansfield, com uma boa
oferta para o convento, acompanhado por vinte e cinco amigos.
Depois de completar vinte e cinco anos de idade, Lutero
foi nomeado para a cadeira de filosofia em Wittenberg, para
onde se mudou para viver no convento da sua ordem. Porém a
sua alma anelava pela Palavra de Deus, e pelo conhecimento de
Cristo. No meio das ocupações do professorado, dedicou-se ao
estudo das Escrituras e no primeiro ano conquistou o grau de
baccalaureus ad bíblia. Sua alma ardia com o fogo dos céus; de
todas as partes acorriam multidões para ouvir os seus discursos,
os quais fluíam abundante e vivamente do seu coração, sobre as
maravilhosas verdades reveladas nas Escrituras. Um dos mais
afamados professores de Leipzig, conhecido como a "Luz do
Mundo", disse: "Este frade há de envergonhar todos os doutores;
há de propalar uma doutrina nova e reformar toda a igreja,
porque ele se baseia na Palavra de Cristo, Palavra à qual
ninguém no mundo pode resistir, e que ninguém pode refutar,
mesmo atacando-a com todas as armas da filosofia.
Um dos pontos iluminantes da biografia de Lutero é a sua
visita a Roma. Surgiu uma disputa renhida entre sete conventos
dos agostinianos e decidiram deixar os pontos de dissidência
para o Papa resolver. Lutero, sendo o homem mais hábil, mais
eloqüente e altamente apreciado e respeitado por todos que o
conheciam, foi escolhido para representar o seu convento em
Roma.
Fez a viagem a pé, acompanhado de outro monge. Nesse
tempo Lutero ainda continuava a dedicar-se fiel e inteiramente à
Igreja Romana. Quando, por fim, chegaram ao ponto da estrada
onde se avistava a famosa cidade, Lutero caiu em terra e
exclamou: "Saúdo-te, santa cidade!"
Os dois monges passaram um mês em Roma, visitando os
vários santuários e os lugares de peregrinação. Lutero celebrou
missa dez vezes. Lastimou, ao mesmo tempo, que seus pais
ainda não tivessem morrido a fim de poder resgatá-los do
Purgatório! Um dia, subindo a Santa Escada de joelhos,
desejando a indulgência que o chefe da igreja prometia por esse
ato, ressoaram nos seus ouvidos como voz de trovão, as
palavras de Deus: "O justo viverá da fé". Lutero ergueu-se e saiu
envergonhado.
Depois da corrupção generalizada que viu em Roma, a sua
alma aderiu à Bíblia mais que nunca. Ao chegar novamente ao
seu convento, o vigário geral insistiu em que desse os passos
necessários para obter o título de doutor, com o qual teria o
direito de pregar. Lutero, porém, reconhecendo a grande
responsabilidade perante Deus e não querendo ceder, disse:
"Não é de pouca importância que o homem fale em lugar de
Deus... Ah! Sr. Dr., fazendo isto, me tirais a vida; não resistirei
mais que três meses." O vigário geral respondeu-lhe: "Seja
assim, em nome de Deus, pois o Senhor Deus também necessita
nos céus de homens dedicados e hábeis".
O coração de Lutero, elevado à dignidade de doutor em
teologia, abrasava-se ainda mais do desejo de conhecer as
Sagradas Escrituras e foi nomeado pregador da cidade de
Wittenberg. Os livros que estudou e as margens cheias de
anotações que escreveu em letras miúdas, servem aos eruditos
atuais como exemplo de como cuidadosa e minuciosamente
estudava tudo em ordem.
Acerca da grande transformação da sua vida, nesse
tempo, ele mesmo escreve: "Desejando ardentemente
compreender as palavras de Paulo, comecei o estudo da Epístola
aos Romanos. Porém, logo no primeiro capítulo consta que a
justiça de Deus se revela no Evangelho (vv. 16,17). Eu detestava
as palavras: a justiça de Deus, porque, conforme fui ensinado, eu
a considerava como um atributo do Deus santo que o leva a
castigar os pecadores. Apesar de viver irrepreensivelmente,
como monge, a consciência perturbada me mostrava que era
pecador perante Deus. Assim odiava a um Deus justo, que
castiga os pecadores... Senti-me ferido de consciência, revoltado
intimamente, contudo voltava sempre para o mesmo versículo,
porque queria saber o que Paulo ensinava. Contudo, depois de
meditar sobre esse ponto durante muitos dias e noites, Deus, na
sua graça, me mostrou a palavra: 'O justo viverá da fé.' Vi então
que a justiça de Deus, nesta passagem, é a justiça que o homem
piedoso recebe de Deus pela fé, como dádiva."
A alma de Lutero dessa forma saiu da escravidão; ele
mesmo escreveu assim: "Então me achei recém-nascido e no
Paraíso. Todas as Escrituras tinham para mim outro aspecto;
perscrutava-as para ver tudo quanto ensinam sobre a 'justiça de
Deus'. Antes, estas palavras eram-me detestáveis; agora as
recebo com o mais intenso amor. A passagem me servia como a
porta do Paraíso."
Depois dessa experiência, pregava diariamente; em certas
ocasiões, pregava até três vezes ao dia, conforme ele mesmo
conta: "O que o pasto é para o rebanho, a casa para o homem, o
ninho para o passarinho, a penha para a cabra rnontês, o arroio
para o peixe, a Bíblia é para as almas fiéis. " A luz do Evangelho,
por fim, tomara o lugar das trevas e a alma de Lutero abrasava
por conduzir os seus ouvintes ao Cordeiro de Deus, que tira todo
o pecado.
Lutero levou o povo a considerar a verdadeira religião, não
como uma mera profissão, ou sistema de doutrinas, mas como
vida em Deus. A oração não era mais um exercício sem sentido,
mas o contato do coração com Deus que cuida de nós com um
amor indizível. Nos seus sermões, Deus revelou o seu próprio
coração a milhares de ouvintes, por meio do coração de Lutero.
Convidado a pregar durante uma convenção dos
agostinianos, não deu uma mensagem doutrinai de sabedoria
humana, como se esperava, mas fez um discurso ardente contra
a língua maldizente dos monges. Os agostinianos, levados pela
mensagem, elegeram-no diretor sobre onze conventos!
Lutero não somente pregava a virtude, mas praticava-a,
amando verdadeiramente o próximo. Nesse tempo, a peste
vinda do Oriente, visitou Wittenberg. Calcula-se que a quarta
parte do povo da Europa, inclusive a metade da população
alemã, foi ceifada pela morte. Quando professores e estudantes
fugiram da cidade, instaram que Lutero fugisse também, porém
ele respondeu: - "Para onde hei de fugir? O meu lugar é aqui: o
dever não me permite ausentar-me do meu posto até que
Aquele que me mandou para aqui me chame. Não que eu deixe
de temer a morte, mas espero que o Senhor me dê ânimo".
Assim ele ministrava à alma e ao corpo do próximo durante um
tempo de aflição e de angústia.
A fama do jovem monge espalhou-se ate longe. Entretanto,
sem o reconhecer, enquanto trabalhava incansavelmente
para a igreja, já havia deixado o rumo liberal que ela seguia em
doutrina e prática.
Em outubro de 1517, Lutero afixou à porta da Igreja do
Castelo em Wittenberg, as suas 95 teses, o teor das quais é que
Cristo requer o arrependimento e a tristeza pelo pecado e não a
penitência. Lutero afixou as teses ou proposições para um
debate público, na porta da igreja, como era costume nesse
tempo. Mas as teses, escritas em latim, foram logo traduzidas
em alemão, holandês e espanhol. Antes de decorrido um mês,
para surpresa de Lutero, já estavam na Itália, fazendo
estremecer os alicerces do velho edifício de Roma. Foi desse ato
de afixar as 95 teses da Igreja de Wittenberg, que nasceu a
Reforma, isto é, que tomou forma o grande movimento de almas
que em todo o mundo ansiavam voltar para a fonte pura, a
Palavra de Deus. Contudo Lutero não atacara a Igreja Romana,
mas antes, pensou fazer a defesa do Papa contra os vendedores
de indulgências.
Em agosto de 1518, Lutero foi chamado a Roma para
responder a uma denúncia de heresia. Contudo, o eleitor
Frederico não consentiu que fosse levado para fora do país;
assim Lutero foi intimado a apresentar-se em Augsburgo. "Eles
te queimarão vivo", insistiram seus amigos. Lutero, porém,
respondeu resolutamente: "Se Deus sustenta a causa, ela será
sustentada".
A ordem do núncio do Papa em Augsburgo foi: "Retrate-se
ou não voltará daqui". Contudo Lutero conseguiu fugir, passando
por uma pequena cancela no muro da cidade, na escuridão da
noite. Ao chegar de novo em Wittenberg, um ano depois de
afixar as teses, era o homem mais popular em toda a Alemanha.
Não havia jornais nesse tempo, mas fluíam da pena de Lutero
respostas a todos os seus críticos para serem publicadas em
folhetos. O que escreveu dessa forma, hoje seriam cem volumes.
O célebre Erasmo, da Holanda, assim escreveu a Lutero:
"Seus livros estão despertando todo o país... Os mais eminentes
da Inglaterra gostam de seus escritos..."
Quando a bula de excomunhão, enviada pelo Papa,
chegou em Wittenberg, Lutero respondeu com um tratado
dirigido ao Papa Leão X, exortando-o, no nome do Senhor, a que
se arrependesse. A bula do Papa foi queimada fora do muro da
cidade de Wittenberg, perante grande ajuntamento do povo.
Assim escreveu Lutero ao vigário geral: "No momento de
queimar a bula, estava tremendo e orando, mas agora estou
satisfeito de ter praticado este ato enérgico". Lutero não esperou
até que o Papa o excomungasse, mas deu logo o pulo da Igreja
Romana para a Igreja do Deus vivo.
Porém, o imperador Carlos V, que ia convocar sua primeira
Dieta na cidade de Worms, queria que Lutero comparecesse para
responder, pessoalmente, aos seus acusadores. Os amigos de
Lutero insistiam em que recusasse ir. -Não fora João Huss
entregue a Roma para ser queimado, apesar da garantia de vida
da parte do imperador?! Mas em resposta a todos que se
esforçavam por dissuadi-lo de comparecer perante seus terríveis
inimigos, Lutero, fiel à chamada de Deus, respondeu: "Ainda que
haja em Worms, tantos demônios quantas sejam as telhas nos
telhados, confiando em Deus, eu aí entrarei". Depois de dar
ordens acerca do trabalho, no caso de ele não voltar, partiu.
Na sua viagem para Worms, o povo afluía em massa para
ver o grande homem que teve coragem de desafiar a autoridade
do Papa. Em Mora, pregou ao ar livre, porque as igrejas não mais
comportavam as multidões que queriam ouvir seus sermões. Ao
avistar as torres das igrejas de Worms, levantou-se na carroça
em que viajava e cantou o seu hino, o mais famoso da Reforma:
"Ein Feste Berg", isto é: ''Castelo forte é nosso Deus". Ao entrar,
por fim, na cidade, estava acompanhado de uma multidão de
povo muito maior do que a que fora ao encontro de Carlos V. No
dia seguinte foi levado perante o imperador, ao lado do qual se
achavam o delegado do Papa, seis eleitores do império, vinte e
cinco duques, oito margraves, trinta cardeais e bispos, sete
embaixadores, os deputados de dez cidades e grande número de
príncipes, condes e barões.
É fácil imaginar que o reformador era um homem de
grande coragem e de físico forte para enfrentar tantas feras que
ansiavam despedaçar-lhe o corpo. A verdade é que passara uma
grande parte da vida afastado dos homens e, mais ainda,
achava-se fraco da viagem, na qual foi necessário que um
médico o atendesse. Entretanto mostrou-se corajoso, não na sua
própria força, mas no poder de Deus.
Sabendo que tinha de comparecer perante uma das mais
imponentes assembléias de autoridades religiosas e civis de
todos os tempos, Lutero passou a noite anterior de vigília.
Prostrado com o rosto em terra, lutou com Deus, chorando e
suplicando. Um dos seus amigos ouviu-o orar assim: "Oh! Deus
todo-poderoso! a carne é fraca, o Diabo é forte! Ah! Deus, meu
Deus, que perto de mim estejas contra a razão e a sabedoria do
mundo! Fá-lo, pois somente tu o podes fazer. Não é a minha
causa, mas sim a tua. - Que tenho eu com os grandes da terra? É
a tua causa, Senhor, a tua justa e eterna causa. Salva-me, oh!
Deus fiel! Somente em ti confio, oh! Deus! meu Deus... vem,
estou pronto a dar, como um cordeiro, a minha vida. O mundo
não conseguirá prender a minha consciência, ainda que esteja
cheio de demônios, e, se o meu corpo tem de ser destruído, a
minha alma te pertence, e estará contigo eternamente..."
Conta-se que, no dia seguinte, na ocasião de Lutero
transpor a porta para comparecer perante a Dieta, o veterano
general Freudsburgo, colocou a mão no ombro do Reformador e
disse-lhe: "Pequeno monge, vais a um encontro diferente, que eu
ou qualquer outro capitão jamais experimentamos, mesmo nas
nossas conquistas mais ensangüentadas. Contudo, se a causa é
justa, e sabes que o é, avança no nome de Deus, e não temas
nada! Deus não te abandonará" - O grande general não sabia
que Martinho Lutero vencera a batalha em oração e que entrava
somente para declarar-lhes que a havia vencido de maiores
inimigos.
Quando o núncio do papa exigiu de Lutero, perante a
augusta assembléia, que se retratasse, ele respondeu: "Se não
me refutardes pelo testemunho das Escrituras ou por
argumentos - desde que não creio somente nos papas e nos
concílios, por ser evidente que já muitas vezes se enganaram e
se contradisseram uns aos outros - a minha consciência tem de
ficar submissa à Palavra de Deus. Não posso retratar-me, nem
me retratarei de qualquer coisa, pois não é justo nem seguro
agir contra a consciência. Deus me ajude! Amém."
De volta ao seu aposento, Lutero levantou as mãos ao Céu
e exclamou com o rosto todo iluminado: "Está cumprido! Está
cumprido! Se eu tivesse mil cabeças, preferiria que todas fossem
decepadas antes de me retratar".
A cidade de Worms, ao receber as notícias da ousada
resposta de Lutero ao núncio do papa, alvoroçou-se. As palavras
do reformador foram publicadas e espalhadas entre o povo que
afluiu para honrá-lo.
Apesar de os papistas não conseguirem influenciar o
imperador a violar o salvo-conduto, para que pudessem queimar
numa fogueira o assim chamado herege, Lutero teve de
enfrentar outro grave problema. O edito de excomunhão entraria
imediatamente em vigor; Lutero por causa da excomunhão, era
criminoso e, ao findar o prazo do seu salvo-conduto, devia ser
entregue ao imperador; todos os seus livros deviam ser
apreendidos e queimados; o ato de ajudá-lo em qualquer
maneira era crime capital.
Mas para Deus é fácil cuidar dos seus filhos. Lutero, regressando
a Wittenberg, foi repentinamente rodeado num
bosque por um bando de cavaleiros mascarados que, depois de
despedirem as pessoas que o acompanhavam, conduziram-no,
alta noite, ao castelo de Wartburgo, perto de Eisenach. Isto foi
um estratagema do príncipe de Saxônia para salvar Lutero dos
inimigos que planejavam assassiná-lo antes de chegar a casa.
No castelo, Lutero passou muitos meses disfarçado; tomou
o nome de cavaleiro Jorge e o mundo o considerava morto. Fiéis
servos de Deus oravam dia e noite pelo reformador. As palavras
do pintor Alberto Durer, exprimem o sentimento do povo: - "Oh!
Deus! se Lutero fosse morto, quem agora nos exporia o
Evangelho?"
Contudo, no seu retiro, livre dos inimigos, foi-lhe concedida
a liberdade de escrever, e o mundo logo soube, pela
grande quantidade de literatura, que essa obra saía da sua pena
e que, de fato, Lutero vivia. O reformador conhecia bem o
hebraico e o grego e em três meses tinha vertido todo o Novo
Testamento para o alemão - em poucos meses mais a obra
estava impressa e nas mãos do povo. Cem mil exemplares foram
vendidos, em quarenta anos, além das cinqüenta e duas edições
impressas em outras cidades. Era circulação imensa para aquele
tempo, mas Lutero não aceitou um centavo de direitos.
A maior obra de toda a sua vida, sem dúvida, fora a de dar
ao povo alemão a Bíblia na sua própria língua - depois de voltar
a Wittenberg. Já havia outras traduções, mas escritas em uma
forma de alemão latinizado que o povo não compreendia. A
língua alemã desse tempo era um agregado de dialetos, mas
Lutero, ao traduzir a Bíblia, deu ao povo a língua que serviu
depois a homens como Goethe e Schiler para escreverem as
suas obras. O seu êxito em traduzir as Sagradas Escrituras para
o uso dos mais humildes, verifica-se no fato de que, depois de
quatro séculos, a sua tradução permanece como a principal.
Outra coisa que contribuiu para o êxito da tradução de
Lutero, é que ele era erudito em hebraico e grego e traduziu
direto das línguas originais. Contudo, o valor da sua obra não se
baseia tão-somente sobre seus indiscutíveis dotes literários. O
que lhe deu realidade é que ele conhecia a Bíblia, como ninguém
podia conhecê-la, sem primeiro sentir a angústia eterna e achar
nas Escrituras a verdadeira e profunda consolação. Lutero
conhecia intimamente e amava sinceramente o autor do Livro. O
resultado foi que o seu coração abrasou-se com o fogo e poder
do Espírito Santo. Foi esse o segredo de ele traduzir tudo para o
alemão em tão pouco tempo.
Como todo mundo sabe, a fortaleza de Lutero e da Reforma
foi a Bíblia. Escreveu de Wartburgo para o seu povo em
Wittenberg: "Jamais em todo o mundo se escreveu um livro mais
fácil de compreender do que a Bíblia. Comparada aos outros
livros, é como o sol em contraste com todas as demais luzes.
Não vos deixeis levar a abandoná-la sob qualquer pretexto da
parte deles. Se vos afastardes dela por um momento, tudo
estará perdido; podem levar-vos para onde quer que desejem.
Se permanecerdes com as Escrituras, sereis vitoriosos."
Depois de abandonar o hábito de monge, Lutero resolveu
deixar por completo a vida monástica, casando-se com Catarina
von Bora, freira que também saíra do claustro, por ver que tal
vida é contra a vontade de Deus. O vulto de Lutero sentado ao
lume, com a esposa e seis filhos que amava ternamente, inspira
os homens mais que o grande herói ao apresentar-se perante o
legado em Augsburgo.
Nos cultos domésticos, a família rodeava um harmônio,
com o qual louvavam a Deus juntos; o reformador lia o Livro que
traduzira para o povo e depois louvavam a Deus e oravam até
sentirem a presença divina entre eles.
Havia entre Lutero e sua esposa profundo amor de um
para com o outro. São de Lutero estas palavras: "Sou rico, Deus
me deu a minha freira e três filhos; não me importo das dívidas:
Catarina paga tudo." Catarina von Bora era estimada por todos.
Alguns, de fato, censuravam-na porque era demasiado
econômica; mas que teria acontecido a Martinho Lutero e à
família se ela tivesse feito como ele? Dizia-se que ele,
aproveitando-se da doença dela, cedeu o seu prato de comida a
certo estudante que estava com fome. Não aceitava um kreuzer
dos seus alunos e recusava vender seus escritos, deixando todo
o lucro para os tipógrafos.
Nas suas meditações sobre as Escrituras, muitas vezes se
esquecia das refeições. Ao escrever o comentário sobre o Salmo
23, passou três dias no quarto comendo somente pão e sal.
Quando a esposa chamou um serralheiro e quebraram a
fechadura, acharam-no escrevendo, mergulhado em
pensamentos e esquecido de tudo em redor.
É difícil concebermos a magnitude das coisas que devemos
atualmente a Martinho Lutero. O grande passo que deu para
que o povo ficasse livre para servir a Deus, como Ele mesmo
ensina, está além da nossa compreensão. Era grande músico e
escreveu alguns dos hinos mais espirituais cantados atualmente.
Compilou o primeiro hinário e inaugurou o costume de todos os
assistentes aos cultos cantarem juntos. Insistiu em que não
somente os do sexo masculino, mas também os do feminino
fossem instruídos, tornando-se, assim, o pai das escolas
públicas. Antes dele, o sermão nos cultos era de pouca
importância. Mas Lutero fez do sermão a parte principal do culto.
Ele mesmo serviu de exemplo para acentuar esse costume: era
pregador de grande porte. Considerava-se como sendo nada; a
mensagem saía-lhe do íntimo do coração: o povo sentia a
presença de Deus. Em Zwiekau pregou a um auditório de 25 mil
pessoas na praça pública. Calcula-se que escreveu 180 volumes
na língua materna e quase um número igual no latim. Apesar de
sofrer de várias doenças, sempre se esforçava dizendo: "Se eu
morrer na cama será uma vergonha para o papa."
Os homens geralmente querem atribuir o grande êxito de
Lutero à sua extraordinária inteligência e aos seus destacados
dons. O fato é que Lutero também tinha o costume de orar horas
a fio. Dizia que se não passasse duas horas de manhã orando,
recearia que Satanás ganhasse a vitória sobre ele durante o dia.
Certo biógrafo seu escreveu: "O tempo que ele passa em oração,
produz o tempo para tudo que faz. O tempo que passa com a
Palavra vivificante enche o coração até transbordar em sermões,
correspondência e ensinamentos".
A sua esposa disse que as orações de Lutero "eram", às
vezes, como os pedidos insistentes do seu filhinho Hanschen,
confiando na bondade de seu pai; outras vezes, eram como a
luta de um gigante na angústia do combate".
Encontra-se o seguinte na História da Igreja Cristã, por
Souer, Vol. 3, pág. 406: "Martinho Lutero profetizava,
evangelizava, falava línguas e interpretava; revestido de todos
os dons do Espírito".
Nos seus sessenta e dois anos pregou seu último sermão
sobre o texto: "Ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e
as revelaste aos pequeninos". No mesmo dia escreveu para a
sua querida Catarina: "Lança o teu cuidado sobre o Senhor, e Ele
te susterá. Amém". Isso foi na última carta que escreveu. Vivia
sempre esperando que o papa conseguisse executar a repetida
ameaça de queimá-lo vivo. Contudo não era essa a vontade de
Deus: Cristo o chamou enquanto sofria dum ataque do coração,
em Eisleben, cidade onde nascera.São estas as últimas palavras
de Lutero: "Vou render o espírito". Então louvou a Deus em alta
voz: "Oh! meu Pai celeste! meu Deus, Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, em quem creio e a quem preguei e confessei, amei e
louvei! Oh! meu querido Senhor Jesus Cristo, encomendo-te a minha
pobre alma. Oh! meu Pai celeste! em breve tenho de deixar
este corpo, mas sei que ficarei eternamente contigo e que
ninguém me pode arrebatar das tuas mãos". Então, depois de
recitar João 3.16 três vezes, repetiu as palavras: "Pai, em tuas
mãos entrego o meu espírito, pois tu me resgataste, Deus fiel".
Assim fechou os olhos e adormeceu.
Um imenso cortejo de crentes que o amavam ardentemente,
com cinqüenta cavaleiros à frente, saiu de Eisleben para
Wittenberg; passando pela porta da cidade onde o reformador
queimara a bula de excomunhão, entrou pelas portas da igreja
onde, há vinte e nove anos, afixara suas 95 teses. No culto
fúnebre, Bugenhangen, o pastor, e Melancton, inseparável
companheiro de Lutero, discursaram. Depois abriram a
sepultura, preparada ao lado do púlpito, e ali depositaram o
corpo.
Quatorze anos depois, o corpo de Melancton achou descanso
do outro lado do púlpito. Em redor dos dois, jazem os
restos mortais de mais de noventa mestres da universidade.
As portas da Igreja do Castelo, destruídas pelo fogo no
bombardeio de Wittenberg em 1760, foram substituídas por
portas de bronze em 1812, nas quais estão gravadas as 95
teses. Contudo, este homem que perseverou em oração, deixou
gravadas, não no metal que perece, mas em centenas de
milhões de almas imortais, a Palavra de Deus que dará fruto
para toda a eternidade.
(Extraido do Livro Heróis da Fé,Orlando Boyer)