O menino Guilherme Carey, era apaixonado pelo estudo
da natureza. Enchia seu quarto de coleções de insetos, flores,
pássaros, ovos, ninhos, etc. Certo dia, ao tentar alcançar um
ninho de passarinhos, caiu de uma árvore alta. Ao experimentar
a segunda vez, caiu novamente. Insistiu a terceira vez: caiu e
quebrou uma perna. Algumas semanas depois, antes de a perna
sarar, Guilherme entrou em casa com o ninho na mão. - "Subiste
à árvore novamente?!" -exclamou sua mãe. - "Não pude evitar,
tinha de possuir o ninho, mamãe" - respondeu o menino.
Diz-se que Guilherme Carey, fundador das missões atuais,
não era dotado de inteligência superior e nem de qualquer dom
que deslumbrasse os homens. Entretanto, foi essa característica
de persistir, com espírito indômito e inconquistável, até
completar tudo quanto iniciara, que fez o segredo do
maravilhoso êxito da sua vida.
Quando Deus o chamava a iniciar qualquer tarefa, permanecia
firme, dia após dia, mês após mês e ano após ano,até
acabá-la. Deixou o Senhor utilizar-se de sua vida, não somente
para evangelizar durante um período de quarenta e um anos no
estrangeiro, mas também para executar a façanha por incrível
que pareça, de traduzir as Sagradas Escrituras em mais que
trinta línguas.
O avô e o pai do pequeno Guilherme eram sucessivamente
professor e sacristão (Igreja Anglicana) da Paróquia. Assim o filho
aprendeu o pouco que o pai podia ensinar-lhe. Mas não satisfeito
com isso, Guilherme continuou seus estudos sem mestre.
Aos doze anos adquiriu um exemplar do Vocabulário
Latino, por Dyche,. o qual decorou. Aos quatorze anos iniciou a
carreira como aprendiz de sapateiro. Na loja encontrou alguns
livros, dos quais se aproveitou para estudar. Assim iniciou o
estudo do grego. Foi nesse tempo que chegou a reconhecer que
era um pecador perdido, e começou a examinar cuidadosamente
as Escrituras.
Não muito depois da sua conversão, com 18 anos de
idade, pregou o seu primeiro sermão. Ao reconhecer que o
batismo por imersão é bíblico e apostólico, deixou a denominação
a que pertencia. Tomava emprestados livros para
estudar e, apesar de viver em pobreza, adquiria alguns livros
usados. Um de seus métodos para aumentar o conhecimento de
outras línguas, consistia em ler diariamente a Bíblia em latim,
em grego e em hebraico.
Com a idade de vinte anos, casou-se. Porém os membros
da igreja onde pregava eram pobres e Carey teve de continuar
seu ofício de sapateiro para ganhar o pão cotidiano. O fato de o
senhor Old, seu patrão, exibir na loja um par de sapatos
fabricados por Guilherme, como amostra, era prova da
habilidade do rapaz.
Foi durante o tempo que ensinava geografia em Moulton,
que Carey leu o livro As Viagens do Capitão Cook e Deus falou à
sua alma acerca do estado abjeto dos pagãos sem o Evangelho.
Na sua tenda de sapateiro afixou na parede um grande mapamundi,
que ele mesmo desenhara cuidadosamente. Incluíra
neste mapa todos os dizeres disponíveis: o número exato da
população, a flora e a fauna, as características dos indígenas,
etc., de todos os países.Enquanto consertava sapatos, levantava
os olhos, de vez em quando, para o mapa e meditava sobre as
condições dos vários povos e a maneira de os evangelizar. Foi
assim que sentiu mais e mais a chamada de Deus para preparar
a Bíblia, para os muitos milhões de indus, na própria língua
deles.
A denominação a que Guilherme pertencia, depois de
aceitar o batismo por imersão, achava-se em grande decadência
espiritual. Isto foi reconhecido por alguns dos ministros, os quais
concordaram em passar "uma hora em oração na primeira
segunda-feira de todos os meses" pedindo de Deus um grande
avivamento da denominação. De fato esperavam um
despertamento, mas, como acontece muitas vezes, não
pensaram na maneira em que Deus lhes responderia.
As igrejas de então não aceitavam a idéia, que consideravam
absurda, de levar o Evangelho aos pagãos. Certa vez,
numa reunião do ministério, Carey levantou-se e sugeriu que
ventilassem este assunto: O dever dos crentes em promulgar o
Evangelho às nações pagãs. O venerável presidente da reunião,
surpreendido, pôs-se em pé e gritou: "Jovem, sente-se! Quando
agradar a Deus converter os pagãos, ele o fará sem o seu
auxílio, nem o meu."
Porém o fogo continuou a arder na alma de Guilherme
Carey. Durante os anos que se seguiram esforçou-se ininterruptamente,
orando, escrevendo e falando sobre o assunto de
levar Cristo a todas as nações. Em maio de 1792, pregou seu
memorável sermão sobre Isaías 54.2,3: "Amplia o lugar da tua
tenda, e as cortinas das tuas habitações se estendam; não o
impeças; alonga as tuas cordas, e firma bem as tuas estacas.
Porque transbordarás à mão direita e à esquerda; e a tua
posteridade possuirá as nações e fará que sejam habitadas as
cidades assoladas."
Discursou sobre a importância de esperar grandes coisas
de Deus e, em seguida, enfatizou a necessidade de tentar
grandes coisas para Deus.
O auditório sentiu-se culpado de negar o Evangelho aos
países pagãos, a ponto de "levantar as vozes em choro." Foi
então organizada a primeira sociedade missionária na história
das igrejas de Cristo para a pregação do Evangelho entre os
povos nunca evangelizados. Alguns como Brainerd, Eliot e
Schwartz já tinham ido pregar em lugares distantes, mas sem
que as igrejas se unissem para sustentá-los.
Apesar de a sociedade ser o resultado da persistência e
esforços de Carey, ele mesmo não tomou parte na sua formação.
O seguinte, porém, foi escrito acerca dele nesse tempo:
"Aí está Carey, de estatura pequena, humilde de espírito,
quieto e constante; tem transmitido o espírito missionário aos
corações dos irmãos, e agora quer que saibam da sua prontidão
em ir onde quer que eles desejem, e está bem contente que
formulem todos os planos".
Nem mesmo com esta vitória, foi fácil para Guilherme
Carey concretizar o sonho de levar Cristo aos países que jaziam
nas trevas. Dedicava o seu espírito indômito a alcançar o alvo
que Deus lhe marcara.
A igreja onde pregava não consentia que deixasse o
pastorado: somente com a visita dos membros da sociedade a
ela é que este problema foi resolvido. No relatório da igreja
escreveram: "Apesar de concordar com ele, não achamos bom
que nos deixe aquele a quem amamos mais que a nossa própria
alma."
Entretanto, o que mais sentiu foi quando a sua esposa
recusou terminantemente deixar a Inglaterra com os filhos.
Carey estava tão certo de que Deus o chamava para trabalhar na
Índia que nem por isso vacilou.
Havia outro problema que parecia insolúvel: Era proibida a
entrada de qualquer missionário na Índia. Sob tais circunstâncias
era inútil pedir licença para entrar. Nestas condições,
conseguiram embarcar sem esse documento. Infelizmente o
navio demorou algumas semanas e, pouco antes de partir, os
missionários receberam ordem de desembarcar.
A sociedade missionária, apesar de tantos contratempos,
continuou a confiar em Deus; conseguiram granjear dinheiro e
compraram passagem para a Índia em um navio dinamarquês.
Uma vez mais Carey rogou à sua querida esposa que o
acompanhasse. Ela ainda persistia na recusa e nosso herói, ao
despedir-se dela, disse: "Se eu possuísse o mundo inteiro, daria
alegremente tudo pelo privilégio de levar-te e os nossos queridos
filhos comigo; mas o sentido do meu dever sobrepuja todas as
outras considerações. Não posso voltar para trás sem incorrer
em culpa a minha alma."
Porém, antes de o navio partir, um dos missionários foi à
casa de Carey. Grande foi a surpresa e o regozijo de todos ao
saberem que esse missionário conseguiu induzir a esposa de
Carey a acompanhar o seu marido. Deus comoveu o coração do
comandante do navio a levá-la em companhia dos filhos, sem
pagar passagem.
Certamente a viagem a vela não era tão cômoda como
nos vapores modernos. Apesar dos temporais, Carey aproveitouse
do ensejo para estudar o bengali e ajudar um dos
missionários na obra de verter o livro de Gênesis para a língua
bengaleza.
Guilherme Carey aprendeu suficiente o bengali, durante a
viagem, para conversar com o povo. Pouco depois de
desembarcar, começou a pregar e os ouvintes vinham para ouvir
em número sempre crescente.
Carey percebeu a necessidade imperiosa de o povo possuir
a Bíblia na própria língua e, sem demora, entregou-se à
tarefa de traduzi-la. A rapidez com que aprendeu as línguas da
Índia é uma admiração para os maiores lingüistas.
Ninguém sabe quantas vezes o nosso herói se mostrou
desanimadíssimo na Índia. A esposa não tinha interesse nos
esforços de seu marido e enlouqueceu. A maior parte dos
ingleses com quem Carey teve contato, o tinham como louco;
durante quase dois anos nenhuma carta da Inglaterra lhe chegou
às mãos. Muitas vezes faltava aos seus dinheiro e alimento. Para
sustentar a família, o missionário tornou-se lavrador da terra e
empregou-se em uma fábrica de anil.
Durante mais de trinta anos Carey foi professor de línguas
orientais no colégio de Fort Williams. Fundou também, o
Serampore College para ensinar os obreiros. Sob a sua direção, o
colégio prosperou, preenchendo um grande vácuo na
evangelização do país.
Ao chegar à Índia, Carey continuou os estudos que começara
quando menino. Não somente fundou a Sociedade de
Agricultura e Horticultura, mas criou um dos melhores jardins
botânicos, redigiu e publicou o "Hortus Bengalensis". O livro
"Flora Índica", outra de suas obras, foi considerada obra-prima
por muitos anos.
Não se deve concluir, contudo, que, para Guilherme Carey,
a horticultura fosse mais do que um passatempo. Passou,
também, muito tempo ensinando nas escolas de crianças
pobres. Mas, acima de tudo, sempre lhe ardia no coração o
desejo de se esforçar na obra de ganhar almas.
Quando um de seus filhos começou a pregar, Carey escreveu:
"Meu filho, Félix, respondeu à chamada para pregar o
Evangelho". Anos depois, quando esse filho aceitou o cargo de
embaixador da Grã Bretanha no Sião, o pai, desapontado e
angustiado, escreveu para um amigo: "Félix encolheu-se até
tornar-se um embaixador!"
Durante o período de quarenta e um anos, que passou na
Índia, não visitou a Inglaterra. Falava, embora com dificuldade,
mais de trinta línguas da Índia, dirigia a tradução das Escrituras
em todas elas e foi apontado ao serviço árduo de tradutor oficial
do governo. Escreveu várias gramáticas indianas e compilou
notáveis dicionários dos idiomas bengali, marati e sânscrito. O
dicionário do idioma bengali consta de três volumes e inclui
todas as palavras da língua, traçadas até a sua origem e
definidas em todos os seus sentidos.
Tudo isto era possível porque sempre economizava o
tempo, segundo se deduz do que escreveu seu biógrafo:
"Desempenhava estas tarefas hercúleas sem pôr em risco
a sua saúde, aplicando-se metódica e rigorosamente ao seu
programa de trabalho, ano após ano. Divertia-se, passando de
uma tarefa para outra. Dizia que se perde mais tempo,
trabalhando inconstante e indolentemente do que nas
interrupções de visitas. Observava, portanto, a norma de entrar,
sem vacilar, na obra marcada e de não deixar coisa alguma
desviar a sua atenção para qualquer outra coisa durante aquele
período."O seguinte escrito pedindo desculpas a um amigo pela
demora em responder-lhe a carta, mostra como muitas das suas
obras avançavam juntas:
"Levantei-me hoje às seis, li um capítulo da Bíblia
hebraica; passei o resto do tempo, até às sete, em oração. Então
assisti ao culto doméstico em bangali, com os criados. Enquanto
esperava o chá, li um pouco em persa com um munchi que me
esperava; li também, antes de comer, uma porção das Escrituras
em industani. Logo depois de comer sentei-me, com um pundite
que me esperava, para continuar a tradução do sânscrito para o
ramayuma. Trabalhamos até as dez horas, quando então fui ao
colégio para ensinar até quase as duas horas. Ao voltar para
casa, li as provas da tradução de Jeremias em bengali, só findando
em tempo para jantar. Depois do jantar, traduzi, ajudado pelo
pundite chefe do colégio, a maior parte do capítulo oito de
Mateus em sânscrito. Nisto fiquei ocupado até as seis. Depois
das seis assentei-me com um pundite de Telinga, para traduzir
do sânscrito para a língua dele. Às sete comecei a meditar sobre
a mensagem para um sermão e preguei em inglês, às sete e
meia. Cerca de quarenta pessoas assistiram ao culto, entre as
quais, um juiz do Sudder Dewany'dawlut. Depois do culto, o juiz
contribuiu com 500 rupias para a construção de um novo templo.
Todos os que assistiram ao culto tinham saído às nove horas;
sentei-me para traduzir o capítulo onze de Ezequiel para o
bengali. Findei às onze, e agora estou escrevendo esta carta. Depois,
encerrei o dia com oração. Não há dia em que disponha de
mais tempo do que isto, mas o programa varia."
Com o avançar da idade, seus amigos insistiam em que
diminuísse os seus esforços, mas a sua aversão à inatividade era
tal, que continuava trabalhando mesmo quando a força física
não dava para a necessária energia mental. Por fim, viu-se
obrigado a ficar de cama, onde continuava a corrigir as provas
das traduções.
Finalmente, em 9 de junho de 1834, com a idade de 73
anos, Guilherme Carey dormiu em Cristo.
A humildade era uma das características mais destacadas
da sua vida. Conta-se que, no zênite da fama, ouviu certo oficial
inglês perguntar cinicamente: - "O grande doutor Carey não era
sapateiro?" Carey, ao ouvir casualmente a pergunta, respondeu:
"- Não, meu amigo, era apenas um remendão."
Quando Guilherme Carey chegou à Índia, os ingleses
negaram-lhe permissão para desembarcar. Ao morrer, porém, o
governo mandou içar as bandeiras a meia haste em honra de um
herói que fizera mais para a Índia do que todos os generais
britânicos.
Calcula-se que traduziu a Bíblia para a terça parte dos
habitantes do mundo. Assim escreveu um de seus sucessores, o
missionário Wenger: "Não sei como Carey conseguiu fazer nem a
quarta parte das suas traduções. Faz cerca de vinte anos (em
1855), que alguns missionários, ao apresentarem o Evangelho no
Afeganistão (país da Ásia central), acharam que a única versão
que esse povo entendia era o Pushtoo, feita em Sarampore por
Carey."
O corpo de Guilherme Carey descansa, mas a sua obra
continua a servir de bênção a uma grande parte do mundo.
(Extraido do Livro Heróis da Fé,Orlando Boyer)