A PAZ DO SENHOR!

EMÍLIO CONDE - O APÓSTOLO DA IMPRENSA EVANGÉLICA PENTECOSTAL NO BRASIL (1901-1971)

Naquele edifício residencial no bairro de Santa Tereza, aquela janela
acesa em um dos seus apartamentos, aquela lâmpada amarela que avança
nítida no tempo, através das horas frias e silenciosas da noite, não
representa a vigília angustiada de algum enfermo, nem a insônia de um
coração intranqüilo, ou o próprio guardião da madrugada a velar o sono
das criaturas. Não. É apenas um homem que escreve, um trabalhador
solitário que, sob o olhar terno e sereno de Cristo, prepara artigos para serem
divulgados no meio evangélico. No final de cada um deles o leitor lera
as iniciais E.C. - Emílio Conde.
Enquanto esse homem solitário escreve, sua fronte se ilumina em
enlevos de visitação ao Céu; sua mente percorre "as ruas de ouro e cristal
da formosa Jerusalém", e, sobre o papel, seu punho se agita, e a página
branca, ao toque da tinta negra, torna-se mais branca ainda, alva como a
neve, porque nela estão sendo escritas palavras pronunciadas na Cruz.
Emílio Conde nasceu no dia 8 de outubro de 1901, em São Paulo.
Seus pais, João Batista Conde e Maria Rosa eram de origem italiana.
Conseqüentemente, o primeiro contato de Emílio com o Evangelho foi na
Congregação Cristã do Brasil, fundada por italianos. Ali, o futuro escritor
evangélico creu em Jesus Cristo e se tornou membro da igreja no dia 21 de
abril de 1919, sendo em seguida batizado com o Espírito Santo.
Transferindo-se para o Rio de Janeiro, passou a freqüentar a Assembléia de
Deus na Rua Figueira de Melo, 232, em São Cristóvão, pastoreada na
época pelo missionário Samuel Nystrõn. Entusiasmado com o calor
espiritual dos que ali se reuniam para cultuar a Deus, Emílio Conde
transferiu-se de sua denominação e tornou-se membro dessa igreja.
Os anos que se sucederam foram empregados na busca incansável
dos meios, os melhores que fossem, de agradar a Cristo. Era mister servi-lo
com toda integridade de coração e amplitude de espírito. E
Emílio Conde passou a empregar as suas horas vagas no estudo e
meditação dos conhecimentos bíblico e humano. Eram necessárias bases
sólidas para a construção do edifício espiritual que iria surgir de suas
mãos.
Principiou pelo conhecimento de sua língua, e depois de dominá-la
satisfatoriamente, passou ao aprendizado de outras. Aprendeu o inglês e o
francês, sendo-lhe assim fácil o acesso à literatura desses idiomas, tão
ricos em livros de inspiração evangélica. Leu boas obras ainda não traduzidas
para o português. Foi um perfeito autodidata. Sua curiosidade
abrangia vários ramos da cultura humana. Cabe porém salientar daqui que
estas leituras não o desviaram da Bíblia, pois era do seu conhecimento que
"por abundantes que sejam os regatos, mais agradável é beber na fonte".
Deste modo, dia a dia ele perseverava na oração e na leitura da Palavra de
Deus, fazendo grandes progressos nos caminhos do Espírito. Era costume
seu isolar-se para meditar e sentir "a largura, o comprimento, a altura, e a
profundidade do amor de Cristo que excede todo o entendimento" (Efésios
3.18,19).
Aonde chegava dava seu testemunho de crente. E assim, pela
intensidade de vezes que subiu ao púlpito, sua palavra foi pouco a pouco
se delineando, tomando feições amplas, tanto pela soma de conhecimentos
que apresentava, como pelo evidente toque do Espírito. "Era agradável
ouvi-lo" - disse um reverendo acerca do seu testemunho - "pois ele somava
à unção espiritual e ao profundo conhecimento bíblico, uma vasta cultura
secular".
Em 1937, o missionário Nils Kastberg encontrou-o trabalhando como
intérprete em um restaurante do Rio de Janeiro. A Casa Publicadora
começava a surgir nesse ano. - "Irmão Conde, necessitamos de alguém
para atender ao expediente da redação de nosso periódico, o 'Mensageiro
da Paz'. Sabemos que o irmão reúne em si todas as qualificações
necessárias para tal cargo. O irmão aceita ser nosso redator?" Surpreso,
antevendo a determinação divina que se sobressaía naquele convite tão
simples, e sentindo-se tocado em um dos pontos fundamentais de sua vida,
a sua vocação, aceitou. Era o amanhecer do ministério do apóstolo da
imprensa evangélica pentecostal no Brasil.
Emílio Conde tratou de reunir então todo o material que havia
acumulado durante anos e anos de estudos e pesquisas. Seus livros, seus
cadernos de notas, trechos extraídos de muitas leituras, comentários feitos
às margens das páginas dos inúmeros volumes que lera, esboços de obras
em fase de conclusão, e, sobretudo,as revelações do Espírito Santo
anotadas durante suas leituras bíblicas pela madrugada - tudo isso seria
empregado na composição dos artigos que sairiam de suas mãos. Era
necessário que surgisse uma genuína literatura pentecostal, uma fonte de
onde jorrassem as cristalinas palavras ditadas pelo Espírito Santo,
fundamentadas em Cristo, aprovadas pelo Senhor dos senhores.
Sua admissão oficial como funcionário da CPAD data de 15 de março
de 1940. Desde o convite do missionário Nils Kast-berg até aquela data,
fora apenas colaborador. Daí por diante, por mais de trinta anos Emílio
Conde dedicaria à CPAD seu talento, sua cultura, sua impressionante
capacidade de trabalho, sua mente clara e fecunda. Era um homem
humilde, simples. Não costumava ostentar os conhecimentos que possuía.
Entre os amigos, sua palavra simples e amena, dosada pelo bom humor e
pela sinceridade, descontraía a todos os que a ele se achegassem. Para os
que se viam angustiados ou confusos, procurá-lo era encontrar nele um
apoio, uma palavra amiga, esclarecida, experimentada, confortadora.
Seu trabalho na imprensa evangélica não foi uma profissão: foi um
sacerdócio. Trabalhou para levar a semente da Palavra aos corações, e
nisto empregou toda a sua vida. Deu-se a si mesmo, como está em 2
Coríntios 8.5: "... mas a si mesmo se deram, primeiramente ao Senhor e
depois a nós, pela vontade de Deus." E era tão grande seu amor por esse
trabalho, que chegou a rejeitar muitas propostas de empregos extraevangélicos,
pois se os aceitasse, tomar-se-ia inepto para o desempenho da
função que exercia. E, agindo assim, sempre esteve à altura da posição que
ocupava, e sempre pronto a cooperar com a causa das Assembléias de
Deus no Brasil.
Graças à sua maneira sóbria e digna de se conduzir, foi, entre nós,
uma espécie de representante mor de nosso movimento em todos os meios
sociais e evangélicos. De 1946 a 1958 representou oficialmente as
Assembléias de Deus do Brasil nas Conferências Mundiais Pentecostais,
havendo estado em Estocolmo, Londres e Toronto. E foi também, durante
muitos anos, nosso representante, não só na Diretoria, mas também em
Comissões da Sociedade Bíblica do Brasil.
Quando principiou a escrever em função do Evangelho, eram poucos
os que entre nós podiam e se prestavam a tal ofício. Portanto, foi de sua
caneta que fluiu a maioria dos artigos, das notícias e das reportagens
usadas no nosso jornal e nas nossas revistas, e ainda nos livros da CPAD e
tudo mais que ia do Sul ao Norte do Brasil para as nossas igrejas - as
mensagens escritas para edificação dos fiéis. Seu conhecimento e sua visão
espiritual abrangia toda a comunidade evangélica brasileira. Empenhou-se
a fundo em obter dados do Movimento Pentecostal no Brasil e no mundo e,
como resultado, escreveu os livros: O Testemunho dos Séculos e História
das Assembléias de Deus no Brasil (este último, reescrito e ampliado pela
CPAD). Escreveu também os seguintes livros: Asas do Ideal, O Homem,
Pentecoste para Todos, Igrejas sem Brilho, Nos Domínios da Fé, Caminhos
do mundo Antigo, Flores do meu Jardim, Tesouro de Conhecimentos
Bíblicos, e Estudos da Palavra.
Emílio Conde
Era, sobretudo, um homem de oração. Foi orando que recebeu de
Deus inspiração para compor 25 hinos de nossa harpa, e outros, sendo
dois em parceria com o missionário Nils Kastberg, e cinco com a missionária
Eufrosine, Kastberg. Integrou, durante muitos anos, o Coral da
Assembléia de Deus em São Cristóvão, tendo sido também organista e
acordeonista. Gostava muito de cantar, e todos quantos o ouviam, sentiam
vibrar as cordas de seu coração, pois ele estava sempre desejando "as ruas
de ouro e cristal da formosa Jerusalém".
Considerando o imenso e relevante trabalho por ele prestado à
Assembléia de Deus no Brasil, foi-lhe oferecido certa vez, por um grupo de
pastores, o acesso ao Ministério do Evangelho, através de ordenação, mas
ele recusou definitivamente.
Em janeiro de 1971, acometido de uma já antiga enfermidade,
oriunda de complicações pós-operatórias, baixou o Hospital Evangélico, na
Tijuca. Uma semana antes a irmã Didi, enfermeira que cuidou dele nos
últimos meses, o encontrara dormindo com a caneta entre os dedos,
debruçado totalmente sobre o trabalho inacabado. Seria sua última página
escrita. Aplicadas todas as forças da alma e do corpo para servir a Cristo,
toda sua vida não lhe fora suficiente; era-lhe necessário passar para a
eternidade e continuar servindo "Àquele que é mais sutil que o ar, mais
ligeiro que o relâmpago, e cujo olhar é mais belo que um alvorecer de
primavera, e mais suave que a claridade das estrelas".
"Vinde ver o mais egrégio espetáculo que pode haver na terra: Vinde
ver como morre um justo." A noite lentamente se apossara do hospital, e as
sombras, crescendo nos recantos menos favorecidos pela claridade
desmaiada e última do crepúsculo, escalaram pouco a pouco as paredes
externas do edifício, e, silenciosas e irreversíveis, foram-no revestindo de
uma tonalidade cinza. Invadindo as vidraças, penetraram no quarto de
Emílio Conde, que, deitado no seu leito de morte, pesava a sua vida, o que
tinha sido, o que fizera, o que deixara de fazer. Ele não se sentia só, pois
desde o dia em que o Senhor se apossara mansamente do seu coração e
nele fizera morada, sua alma nunca mais fora presa do angustioso
sentimento de solidão. O "Não te deixarei, nem te desampararei" cumprirase
fielmente em sua vida.
Às 13.00 horas do dia 5 de janeiro de 1971, "Emílio Conde dormiu no
Senhor. Às 17.00 horas do mesmo dia seu corpo saía do Hospital
Evangélico para ser velado no Templo da Assembléia de Deus em São
Cristóvão, ficando próximo ao púlpito, aquele mesmo púlpito onde pregara
tantas vezes e onde tantas vezes cantara. A Rádio Nacional, a Tupi e a
Globo noticiaram com detalhes o seu falecimento. O seu compacto "Águas
Vivas" foi tocado durante toda a noite, nos intervalos dos muitos que
usaram da palavra.
Pela manhã, às 9.30 horas, chegou o Vice-Governador do Rio de
Janeiro, o doutor Erasmo Martins Pedro; usando da palavra, disse que
Emílio Conde em vida "fazia o trabalho do acendedor de lampiões: entrava
numa rua escura e ia deixando atrás de si luz". Representantes de entidades
batistas disseram que Emílio Conde não pertencia somente às
Assembléias de Deus, mas aos evangélicos de todo o Brasil.
O pastor Túlio Barros pediu que todos os presentes abrissem suas
harpas e cantassem juntos o hino 202: "Junto ao trono de Deus
preparado..." Em seguida o pastor Alcebíades Vasconcelos leu Apocalipse
14.13, e, enquanto falava, um ancião aproximou-se lentamente do corpo e
contemplou aquela face pálida e serena, transfigurada pela beleza sagrada
e espiritual da morte, afastando-se mansamente depois. Era o irmão Adrião
Nobre, um dos pioneiros da obra pentecostal no Brasil, e o membro
número um de São Cristóvão.
Às 10.00 horas, os pastores Túlio Barros Ferreira, Alcebíades P.
Vasconcelos, Geziel Nunes Gomes e o irmão Catarino Varjão empunharam
as alças do caixão e se dirigiram à porta de saída do templo. No cemitério
do Caju, o pastor Geziel Gomes, em nome de todos os obreiros do Campo
de São Cristóvão, usou da palavra, despedindo-se de Emílio Conde. Ao
concluir, disse: "Ele não gerou filhos materiais, mas os seus filhos na fé são
tantos que não se podem contar." Em seguida os presentes cantaram o
hino: "Pensa na celestial melodia." Por último, o pastor Túlio Barros orou. A
multidão se afastou deixando atrás de si, na tumba 81.011, da quadra 81-
A, do Cemitério do Caju, o corpo de um justo, o homem que soube honrar a
Deus e servi-lo durante toda a sua vida.
"A tudo que é transitório soubeste dar, com a tua grave melancolia, a
densidade do eterno.
Mais de uma vez fizeste aos homens advertências terríveis.
Mas a tua glória maior é ser aquele que soube falar a Deus nos
ritmos de sua Palavra."

(Extraido do Livro "Eles andaram com Deus",Jefferson Magno Costa)